4.21.2008

O cepticismo mitigado


O cepticismo de David Hume é mitigado, isto é, moderado.

E porquê?
Em primeiro lugar, Hume rejeita todo o cepticismo radical, seja o cartesiano – porque desconfiar totalmente das nossas faculdades inviabiliza o recurso a qualquer forma de evidência como a do cogito para ultrapassar essa desconfiança – seja o pirrónico – porque duvidar de tudo o que não podemos justificar torna impossível qualquer forma de acção.

Hume, no entanto, embora não considere necessário rejeitar tudo aquilo que não conseguimos justificar, considera haver razões para avançar com cautela na investigação.

E isto porque estabeleceu as seguintes conclusões:
• somos incapazes de justificar a crença de que a Natureza é uniforme – inerente a todas as nossas inferências causais (princípio da causalidade);
• somos incapazes de justificar a crença de que o mundo exterior é real, pois não conseguimos demonstrar que as nossas percepções são causadas por objectos reais – e sem isto não podemos ter a certeza da verdade das nossas ideias.

Em consequência disto, devemos ter consciência dos limites do nosso entendimento e evitar não só o dogmatismo (a confiança cega na possibilidade de obtermos conhecimento), mas também todas as questões cujo carácter excessivamente especulativo torna impossível a certeza de existir correspondência entre uma ideia e uma impressão que estaria na sua origem.
A importância desta posição de Hume pode ser sublinhada pelo facto de Kant (séc. XVIII), um dos maiores filósofos europeus de todos os tempos, ter afirmado que David Hume o despertou do seu sono dogmático: tal despertar esteve na origem de toda a sua investigação filosófica dos limites do conhecimento humano.

Impressões e Ideias


Para David Hume, as ideias são cópias das impressões internas ou externas. Isto significa que as nossas ideias correspondem às nossas percepções dos objectos – princípio da cópia.
Um objecto provoca em nós uma impressão; essa impressão é guardada pela memória e essa recordação da impressão é a ideia que usamos para pensar, imaginar, formular ideias complexas.

Só podemos aceitar como verdadeiras as ideias em relação às quais é possível fazer corresponder a impressão de um objecto. A ideia de esfinge, por exemplo, que resulta do trabalho combinatório da nossa mente, não tem uma correspondência sensorial visto que não é possível ter qualquer percepção de tal animal enquanto ser vivo concreto. O mesmo acontece com a ideia de Deus: não corresponde a nenhuma impressão nascida da experiência sensorial, visto que Deus não é observável, e portanto não constitui um conhecimento verdadeiro.

Quando investigamos relações de ideias, obtemos a priori verdades necessárias mas que nada nos dizem sobre a realidade factual. Neste campo, trabalhamos com a demonstração e portanto com argumentos dedutivos.

Quando investigamos questões de facto, obtemos a posteriori verdades contingentes, mas que nos informam sobre a realidade factual. Aqui, fazemos inferências causais utilizando argumentos indutivos.

É fácil concluirmos que as relações de ideias apresentam a propriedade da necessidade lógica enquanto que as questões de facto não a apresentam. O princípio da causalidade é estabelecido devido ao hábito de observar essa conjunção constante entre certos factos. Logo, temos aqui um problema de limites do conhecimento.

4.13.2008

O conhecimento da Causalidade



Quando David Hume analisa o problema da causalidade, está a sublinhar a diferença lógica que existe entre considerar o princípio de causalidade como descrevendo uma CONJUNÇÃO CONSTANTE ou uma CONEXÃO NECESSÁRIA.

Isto remete para a diferença que para ele existe entre as proposições que exprimem relações de ideias e aquelas que exprimem questões de facto.
As relações entre ideias implicam a necessidade lógica, ou seja: uma vez aceites como verdadeiras, a sua negação implica a contradição.
Exemplo: 12+3=20-5. Não podemos negar esta proposição sem nos contradizermos, se a referência for sempre o sistema decimal.

As questões de facto, por sua vez, exprimem verdades contingentes. Isto quer dizer que exprimem factos que podem acontecer ou não. Exemplo: Quando forem 15 horas estará a chover. Isto é contingente, pode acontecer ou não. Quer não aconteça, quer aconteça, não há contradição, porque no domínio dos factos não existe necessidade lógica. Eu consigo pensar sem problemas tanto o facto de chover como o de não chover. Mas não consigo pensar que 15 seja diferente de 15 (ver o exemplo acima) sem criar um grave problema lógico.

Ora, enquanto empirista, ele considera que todo o conhecimento factual é obtido através do raciocínio indutivo: a partir das impressões simples recebidas pelos sentidos a partir dos objectos observados, obtenho impressões complexas que servem de base ao meu pensamento. Com elas posso construir um conhecimento fiável dos acontecimentos, dos factos que realmente ocorrem. Assim sendo, o princípio da causalidade limita-se a registar conjunções constantes entre factos, isto é: verdades contingentes. Não poderá exprimir relações logicamente necessárias entre fenómenos, porque tal qualidade só pertence ao argumento dedutivo, e o conhecimento factual tem origem indutiva, como já foi referido.

Para que a causalidade pudesse ter o estatuto de princípio dotado de necessidade lógica, teria de ter origem no entendimento e não na observação empírica. Hume, sendo empirista, não aceita que o conhecimento factual possa ser obtido a partir da Razão, e portanto não pode aceitar esse carácter constringente da causalidade como princípio logicamente necessário. Para ele, a conexão causal resulta do hábito: habituados a observar conjunções constantes entre fenómenos, passamos a considerar que essa conjunção existe na realidade, em vez de ser produto de um hábito do nosso espírito, quando na realidade não é possível observar a causalidade em si, mas apenas uma sucessão de factos que acontecem uns a seguir aos outros.

Ora o princípio da causalidade é um dos fundamentos do método científico. Se lhe retiramos o carácter de necessidade lógica, ficamos com a ciência fragilizada. Por isso dizemos que Hume apresenta um CEPTICISMO MITIGADO, isto é, moderado.

4.08.2008

A dedução das verdades


Sou obrigado a pedir aos leitores que não tomem nenhuma opinião minha por verdadeira se não a virem muito claramente deduzida dos verdadeiros princípios.
Também sei que poderão passar-se vários séculos antes que se tenham deduzido desses Princípios todas as verdades.
A maioria dos melhores espíritos têm uma muito má opinião da Filosofia, devido aos defeitos que verificaram na que esteve em uso até ao momento, e não desejarão dedicar-se à investigação de uma filosofia melhor. Mas se por fim virem a diferença entre estes princípios e todos os outros, e a grande quantidade de verdades que deles se podem deduzir, ouso crer que nenhum deles deixará de empregar todos os esforços num estudo tão proveitoso.
Princípios da Filosofia, Carta do Autor ao Tradutor e Que Poderá Servir de Prefácio (adaptado)