5.29.2008

As Revoluções Científicas


Os paradigmas são a fonte dos métodos, do campo de problemas e dos padrões de solução aceites por uma dada comunidade científica madura.
Consequentemente, a aceitação do novo paradigma muitas vezes obriga à redefinição da ciência correspondente. Alguns problemas antigos podem ser relegados para outra ciência, ou podem ser declarados completamente "não científicos". Outros, previamente não existentes ou triviais podem, no interior do novo paradigma, tornar-se o arquétipo do resultado científico importante.
E à medida que os problemas mudam, também frequentemente muda o padrão que distingue uma solução científica real de uma mera especulação científica, de um jogo de palavras ou de uma questão matemática. A tradição científica normal que emerge de uma revolução científica é não só incompatível mas também frequentemente incomensurável com a tradição científica anterior.
Thomas Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas

INCOMENSURABILIDADE DAS TEORIAS


CRITÉRIOS OBJECTIVOS NA ESCOLHA DE TEORIAS:
• Exactidão empírica
• Consistência
• Alcance
• Simplicidade
• Fecundidade

Estes são os critérios que Kuhn reconhece como objectivos; no entanto, não garantem objectividade na escolha: apenas correspondem a uma base partilhada que orienta a escolha dos cientistas.
Existem ainda critérios subjectivos, e são estes que acabam por determinar a resolução do conflito entre paradigmas.

Assim, Thomas Kuhn considera que a ciência não tem carácter objectivo, pois o seu valor resulta do consenso entre os membros da comunidade científica – que podem repetir as experiências dos outros cientistas e assim obter as mesmas conclusões - e não de uma verdade objectivamente captada.

CRÍTICAS À TEORIA DE KUHN:

• Se um novo paradigma permite eliminar as anomalias do anterior, os paradigmas não são completamente incomensuráveis.
• O crescente sucesso prático da ciência mostra que as teorias hoje aceites explicam melhor a realidade do que aquelas que já foram abandonadas.

DUAS OBRAS DO AUTOR:
A Tensão Essencial, trad. Port. Edições 70
A Estrutura das Revoluções Científicas (não conheço tradução portuguesa)

A HISTÓRIA DA CIÊNCIA É UMA SUCESSÃO DE PARADIGMAS


PARADIGMA:
É um conjunto de REGRAS que define um modelo de aplicação do método científico à investigação. Centra-se numa TEORIA.

O PARADIGMA DEFINE REGRAS PARA:
• aplicar teorias à realidade
• usar instrumentos científicos
• avaliar explicações científicas

Exemplos: paradigma newtoniano; paradigma geocêntrico; paradigma heliocêntrico.

A MUDANÇA DE PARADIGMA:
CIÊNCIA NORMAL: a investigação científica dedica-se a resolver enigmas dentro do paradigma aceite no momento pela comunidade científica.
Quando surgem factos que põem em causa a teoria em vigor, temos uma ANOMALIA. Uma acumulação de anomalias leva a uma CRISE do paradigma.
A perda de confiança no paradigma provoca um período de CIÊNCIA EXTRAORDINÁRIA, que conduzirá a uma REVOLUÇÃO CIENTÍFICA = aceitação de um novo paradigma para definir a investigação científica.

Os paradigmas não podem ser escolhidos por comparação entre eles, de modo a determinar qual é o melhor, pois torna-se impossível analisá-los objectivamente através de conceitos neutros → INCOMENSURABILIDADE DOS PARADIGMAS.

Assim, as mudanças de paradigma não envolvem a certeza de uma aproximação à verdade: a ciência evolui, mas isso não garante que progrida.

5.18.2008

Como se obtém uma lei física? 4


Estou convencido de que a história não se repete, em Física, como se pode ver a partir dos exemplo que dei. A razão é a seguinte: quaisquer esquemas, tais como “pensem em leis de simetria”, ou “adivinhem as equações”, são hoje conhecidos de toda a gente e estão constantemente a ser ensaiados.
Quando nos encontramos confusos, a resposta não pode ser uma destas, porque já as experimentámos todas Temos de recorrer a um método diferente, quando nos encontramos imobilizados, com demasiadas preocupações e problemas, é porque estamos a utilizar os mesmos métodos que já usámos antes.
Por isso, o próximo esquema, a nova descoberta, será obtido de maneira completamente diferente.
O QUE É UMA LEI FÍSICA?, Richard P. Feynman

Como se obtém uma lei física? 3


Temos de começar por Newton. Apesar do seu conhecimento ser incompleto, Newton conseguiu adivinhar certas leis, resumindo algumas ideias relativamente próximas da experiência; não havia então um grande fosso entre observação e verificações.

O físico seguinte que fez algo notável foi Maxwell, que descobriu as leis da electricidade e do magnetismo. Fez o seguinte: reuniu todas as leis da electricidade , devidas a Faraday e a outros, e, estudando-as, apercebeu-se de que eram matematicamente inconsistentes. Para pôr tudo em ordem teve de adicionar um termo a uma determinada equação. Fez isso inventando para si mesmo um modelo especial de engrenagem, rodas dentadas, etc. Descobriu uma nova lei, mas ninguém lhe prestou muita atenção, já que ninguém acreditava nas suas engrenagens.
Não acreditamos hoje nessas engrenagens, mas as equações que Maxwell obteve estão correctas.

No caso da relatividade, a descoberta foi totalmente diferente. Havia uma acumulação de paradoxos; as leis conhecidas conduziam a resultados contraditórios. Tratou-se de um novo tipo de raciocínio , um raciocínio que considerava as possíveis simetrias das leis.
Foi particularmente difícil, porque pela primeira vez o homem se apercebeu de que as leis de Newton podiam parecer certas e estar, afinal, erradas. Também foi difícil aceitar que as ideias correspondentes de tempo e espaço, que pareciam tão intuitivas, podiam estar erradas.

A mecânica quântica foi descoberta de duas maneiras diferentes – facto que constituiu uma lição.
Uma vez mais, descobriu-se experimentalmente um grande número de paradoxos: tratava-se de factos que não podiam de modo nenhum ser explicados com a ajuda da ciência conhecida. Dois caminhos diferentes foram o de Schrodinger, que adivinhou a equação da mecânica quântica, e o de Heisenberg, que argumentou que se devia analisar o que era mensurável. Estes dois métodos, filosoficamente diferentes, acabaram por conduzir à mesma descoberta.
O QUE É UMA LEI FÍSICA?, Richard P. Feynman

Como se obtém uma lei física? 2


Uma vez que sou físico teórico, vou concentrar-me agora no modo como se formulam hipóteses.
A origem das hipóteses não tem grande importância; importa apenas que as hipóteses estejam de acordo com a experiência e que sejam tão bem definidas quanto possível.
“Então”, dizem, “isso é muito simples. Monta-se uma máquina de calcular, uma grande máquina de calcular, com uma roleta que permita uma série de previsões e que, sempre que saia uma hipótese sobre o funcionamento da Natureza, calcule imediatamente as respectivas consequências e efectue uma comparação com uma lista de resultados experimentais fornecidos noutro lado da máquina.”
Por outras palavras: adivinhar é um trabalho de tolos. Na realidade, é precisamente ao contrário, e vou tentar explicar porquê.

O problema inicial consiste em saber por onde começar. Dizem-me: “Eu começaria por todos os princípios conhecidos.” Todavia, esses princípios conhecidos são incompatíveis uns com os outros, de modo que alguma coisa tem que ser retirada.
A segunda dificuldade é que há um número infinito de possibilidades simples. Normalmente, a imaginação da Natureza ultrapassa em muito a nossa. Encontrar uma teoria subtil e profunda não é muito fácil.

É necessária realmente muita inteligência para formular hipóteses e é impossível que uma máquina realize essa tarefa às cegas.
O QUE É UMA LEI FÍSICA?, Richard P. Feynman

Como se obtém uma lei física? 1


No decurso deste processo de previsão, cálculo de consequências e comparação com a experiência, podemos ficar perplexos em várias fases. Podemos ficar parados na fase de previsão ou na fase de cálculo. Por exemplo, Yukawa, físico japonês prémio Nobel em 1949, propôs em 1934 uma teoria para as forças nucleares, mas ninguém conseguiu calcular as respectivas consequências, uma vez que a matemática envolvida era demasiado difícil. Assim, não foi possível comparar a teoria com a experiência. Esta teoria persistiu durante bastante tempo, até se descobrirem partículas adicionais que não tinham sido consideradas por Yukawa. As coisas não eram, pois, tão simples como Yukawa supusera.
Uma outra fase onde podemos ficar parados é a da experimentação. Por exemplo, a teoria quântica da gravitação está a avançar muito lentamente, se é que avança mesmo, porque todas as experiências possíveis nunca envolvem a mecânica quântica e a gravitação ao mesmo tempo. A força da gravidade é demasiado fraca em comparação com a força eléctrica.
O QUE É UMA LEI FÍSICA?, Richard P. Feynman

5.11.2008

Outra vez a Sombrero



Estas são duas magníficas observações da Sombrero. Reparem como obtemos realidade variáveis, conforme os meios tecnológicos utilizados.
Um belo exemplo da multiplicidade de recolhas possíveis sobre a mesma realidade. Observação pura? Não me parece!

Galáxia do Sombrero


A propósito da observação pura que certos autores defendem ser característica da observação científica, esta imagem mostra como os instrumentos de observação condicionam os resultados obtidos.

Uma Crítica a Popper


Nos seus termo mais simples, a explicação de Popper para o conhecimento científico envolve generalizações e os seus testes observacionais. Se encontrarmos um contra-exemplo genuíno a uma generalização, podemos dizer que foi dedutivamente refutada. Segundo Popper, os casos negativos fornecem bases racionais para rejeitar generalizações. Se, contudo, fizermos observações e executarmos testes mas não encontrarmos instâncias negativas, tudo o que podemos dizer dedutivamente é que a generalização em questão não foi refutada.

O conceito de corroboração de Popper foi concebido para medir o modo com conjecturas têm resistido a críticas severas, incluindo testes severos. Penso que esta é a tese crucial: que há uma base racional para preferir usar num argumento previsivo uma generalização não refutada em detrimento de outra refutada. Se isso for verdade, então Popper pode legitimamente afirmar que resolveu o problema da previsão racional. É que as teorias científicas são usadas tanto para fins teóricos como práticos - fins esses que incluem a previsão.
Ora esta perspectiva da corroboração contém dificuldades sérias.

Watkins e Popper concordam, penso, que as afirmações corroboradas relatam observações do passado e do presente, e que afirmações deste tipo não têm em si conteúdo previsivo. As conjecturas, hipóteses, teorias é que têm conteúdo previsivo. Para fazer uma previsão, é necessário escolher uma conjectura que tenha conteúdo previsivo para ser usada como premissa num argumento previsivo. Para fazer uma previsão racional, parece-me ser necessário fazer uma escolha racional de uma premissa para tal argumento.
Porém, com base nas nossas provas observacionais e nas afirmações sobre a corroboração de uma dada conjectura não se garante qualquer avaliação previsiva. Assim, parece-me que a corroboração não fornece qualquer base racional para preferir uma conjectura a outra para fins de previsão prática.

Não estou a reclamar por não termos a certeza de que uma delas irá permitir uma previsão correcta e outra não. Estou a reclamar porque não se forneceu qualquer base racional para uma preferência deste tipo.

Wesley C. Salmon, Previsão Racional
(Adaptado)

Testar Teorias


Uma vez apresentada uma nova ideia, a título provisório, e ainda antes de ser justificada – quer seja uma antecipação, uma hipótese, um sistema teórico, ou que quer que seja – extraem-se dela conclusões através da dedução lógica. Estas conclusões são então comparadas entre si e com outras afirmações relevantes, de modo a descobrir que relações lógicas (tais como equivalência, derivabilidade, compatibilidade ou incompatibilidade) existem entre elas.

Podemos distinguir quatro procedimentos diferentes para testar teorias.
Em primeiro lugar, há a comparação lógica das conclusões umas com as outras, testando-se assim a consistência interna do sistema. Em segundo lugar, há o estudo da forma lógica da teoria, com o objectivo de determinar se tem o carácter de uma teoria empírica ou científica, ou se é, por exemplo, tautológica. Em terceiro lugar, há a comparação com outras teorias, principalmente com o objectivo de determinar se a teoria se a teoria constitui um avanço científico no caso de sobreviver aos testes. Por fim, há o teste da teoria através das aplicações empíricas das conclusões que dela se podem derivar.

O propósito deste último tipo de teste é descobrir até que ponto as novas consequências da teoria satisfazem os requisitos da prática. Também aqui o procedimento de teste acaba por ser dedutivo. Com a ajuda de outras afirmações anteriormente aceites, certas afirmações singulares – a que podemos chamar previsões – são deduzidas da teoria, especialmente previsões que são facilmente testáveis ou aplicáveis.

Seguidamente, tratamos de tomar uma decisão acerca destas afirmações deduzidas, comparando-as com os resultados das aplicações práticas e das experiências.
Se esta decisão for positiva, isto é, se as conclusões singulares se tornaram aceitáveis - ou verificadas – então a teoria passou temporariamente o teste.
Mas se a decisão for negativa, ou seja, se as conclusões tiverem sido falsificadas, então a sua falsificação falsifica também a teoria da qual foram logicamente deduzidas.

Deve dizer-se que uma decisão positiva apenas temporariamente pode apoiar a teoria, pois decisões negativas posteriores podem sempre fazê-la cair.

Enquanto um teoria resiste a testes minuciosos e exigentes e não é substituída por outra teoria, podemos dizer que é corroborada.
Karl Popper, A Lógica da Investigação científica

O Problema da Indução



É habitual chamar "indutiva" a uma inferência quando passa de afirmações singulares (por vezes chamadas particulares) tais como descrições dos resultados de observações ou de experiências, para afirmações universais, tais como hipóteses e teorias.

Ora, de um ponto de vista lógico, está longe de ser óbvio que a inferência de afirmações universais a partir de afirmações particulares - por mais elevado que seja o seu número - esteja justificada. É que a conclusão a que cheguemos por esta via corre sempre o risco de um dia se tornar falsa: qualquer que seja o número de exemplares de cisnes brancos que tenhamos observado, isso não justifica a conclusão de que todos os cisnes sejam brancos.

A questão de saber se as inferências indutivas estão justificadas ou em que condições o estão, é conhecida como o problema da indução.

Que facilmente podem surgir inconsistências em conexão com o princípio da indução, é algo que deveria ser claro a partir de Hume.
Karl Popper, A Lógica da Investigação científica