
Capítulo II
... O único princípio que não inibe a ideia de progresso é: qualquer coisa serve.
A ideia de um método que inclua princípios firmes, imutáveis e absolutamente vinculativos de condução dos assuntos da ciência depara com dificuldades consideráveis quando a confrontamos com os resultados da investigação histórica. Descobrimos, com efeito, que não há uma única regra, ainda que plausível e ainda que firmemente alicerçada em termos epistemológicos, que não tenha sido uma ou outra vez violada. Torna-se evidente que tais violações não acontecem por acaso, não são o resultado de uma qualquer insuficiência do conhecimento ou de desatenção susceptíveis de serem evitadas. Pelo contrário, vemos que foram elementos necessários ao progresso.
Na realidade, um dos aspectos mais notáveis dos debates recentes em história e filosofia da ciência é a compreensão de que factos e evoluções, como a invenção do atomismo na Antiguidade, a Revolução Coperniciana, a emergência do atomismo contemporâneo (teoria cinética; teoria da dispersão; estereoquímica; teoria quântica) a afirmação gradual da teoria ondulatória da luz, só ocorreram porque certos pensadores ou decidiram não se deixar limitar por certas regras de método "óbvias" ou romperam inconscientemente com elas.
Esta prática liberal, repito, não é só um facto
da história da ciência. É algo que é ao mesmo tempo racional e absolutamente necessário no progresso do conhecimento.
Mais especificamente, é possível demonstrar o seguinte: há sempre circunstâncias em que é aconselhável não só ignorar como contrariar uma dada regra, ainda que seja "fundamental" ou "racional".
Por exemplo, há circunstâncias em que é aconselhável introduzir hipóteses ad hoc, ou hipóteses que contrariem resultados experimentais bem estabelecidos e geralmente aceites.
(adaptado)